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26
mar
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Marilena Chauí – A Universidade Operacional

Fila de Universitários

Fila de Universitários

A Reforma do Estado brasileiro pretende modernizar e racionalizar as atividades estatais, redefinidas e distribuídas em setores, um dos quais é designado Setor dos Serviços Não-Exclusivos do Estado, isto é, aqueles que podem ser realizados por instituições não-estatais, na qualidade de prestadoras de serviços.

O Estado pode prover tais serviços, mas não os executa diretamente nem executa uma política reguladora dessa prestação. Nesses serviços estão incluídas a educação, a saúde, a cultura e as utilidades públicas, entendidas como “organizações sociais” prestadoras de serviços que celebram “contratos de gestão” com o Estado.

A Reforma tem um pressuposto ideológico básico: o mercado é portador de racionalidade sociopolítica e agente principal do bem-estar da República. Esse pressuposto leva a colocar direitos sociais (como a saúde, a educação e a cultura) no setor de serviços definidos pelo mercado.

Dessa maneira, a Reforma encolhe o espaço público democrático dos direitos e amplia o espaço privado não só ali onde isso seria previsível -nas atividades ligadas à produção econômica-, mas também onde não é admissível -no campo dos direitos sociais conquistados.

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02
mar
08

Sucateamento da Universidade

Sempre me preocupei em conhecer o fundamento das coisas, por mais evidentes que fossem – ou parecessem ser. O constante presenciar de discussão, ou disputas, aonde vemos pessoas proclamar ideologias distintas e tão imiscíveis quanto água e óleo sempre me levaram a perguntar aonde se encontraria o eventual ponto de encontro ou dissensão. Recentemente, e dessa forma, portanto, decidi investigar o que é isso que se chama de “sucateamento das universidades” e a quê se atribui.

A Universidade de onde eu faço parte estar em condições precárias é um fato, mas como péssimo observador que sempre fui, geralmente alheio às coisas, sempre senti carecer de bases para poder afirmar se tratar ou não de algo que abrange apenas a Universidade – ou o Universo – do qual eu faço parte, ou não, se se trata de algo apenas localizado. Dado o fato de estar nesta Universidade já há algum tempo, não posso negar também que houve sim uma precarização de suas condições, mas também não poderia dizer quanto. Não posso negar também estar a par de uma situação a nível nacional aonde diversos estudantes lamentam a direção que vem sendo tomada pelo seu – antes glorioso – órgão de representação que é a UNE.

Agora o que sempre me incomodou foi esse diabo de “sucateamento”. Esse algo posto, criticado como fenômeno e usado como metáfora para explicar o que acontece com as nossas Universidades de todo o país. Atribui-se esse fenômeno a uma política deliberadamente neoliberal. Isso é outra questão que sempre me afligiu muito no debate ideológico: Quem são os neoliberais e por que eles fazem isso. Claro que, inevitavelmente eu teria que entender o que eles acham que estão fazendo quando agem dessa forma, apesar de, consequentemente, os resultados serem esses dos quais tanto reclamamos.

Foi assim que primeiro tomei conhecimento de um artigo escrito pela professora Marilena Chauí em aula inaugural na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na Universidade de São Paulo. Era um artigo a meu ver bastante prescritivo que atribuía o “sucateamento” – termo que prefiro utilizar no sentido de “abandono” – a um desmonte surgido como conseqüência de uma Reforma do Estado – no governo Fernando Henrique Cardoso – aonde a Educação, que antes era reconhecida como um “direito” passou a ser entendida como um “serviço”, além do mais “não exclusivo”.

Alguns de nós pode ter uma posição bastante crítica a esse respeito, ou seja, a respeito de quaisquer tipo de reformas propostas nestes moldes ditos neoliberais. A questão é que eu sempre busco evitar pré-julgar ou pré-condenar alguma coisa apenas em virtude de uma atribuição ou outra mesmo por que, a não ser que tenhamos subsídios para afirmá-lo, sequer podemos considerá-la evidente. E mesmo que a considerássemos evidente, teríamos que lidar com as pessoas que eventualmente não têm uma inclinação ideológica semelhante à nossa e mesmo assim lamentam o estado de precariedade de nossa Universidade hoje. Talvez, eu imagino, esse processo de precarização, enfim, possa inclusive servir como mais um exemplo das conseqüências desse tipo de políticas.

Surge então a necessidade de definir o que são direitos e serviços. Um direito seria uma garantia dada pelo Estado de acordo com um código de Leis, ou norma. Direitos são garantidos de acordo com princípios e geralmente buscam se basear em algum conceito de Justiça. Um direito, por se constituir em uma lei, deveria, na prática, se estender a todas as pessoas. Serviços, pelo menos economicamente falando, seria um setor de atividade econômica que, apesar de não criarem bens materiais, suprem necessidades humanas. Logo, por se constituir em um setor da atividade econômica isso significa que pode ser explorado por empresas privadas, para fins lucrativos. Percebe-se que, desta forma, ao transformar um direito em um serviço, ainda mais em um “serviço não exclusivo” do Estado o mesmo acaba se livrando da obrigação de ser o único prestador desse serviço. Se fosse apenas isso, o problema não seria tão grande. O problema foi que, depois disso, o governo foi cada vez mais adotando medidas que visavam diminuir com os “Gastos Públicos” que, por sua vez, são responsáveis pelo financiamento dos “Serviços Públicos”.

Isso tem sido feito de maneira sistemática. Primeiro foi feito dessa forma, transformando a educação em “serviço não exclusivo” do estado. Depois, diminuindo o repasse de verbas para a Educação. Agora, além de ter permitido a criação de fundações, o governo também substituiu a criação de um Plano Nacional de Educação por um Sistema Nacional de Avaliação. O problema é que, direitos são garantias historicamente asseguradas de acordo com lutas ideológicas e, principalmente sócio-políticas. Lutas essas que, em virtude de necessidades historicamente enfrentadas, como, por exemplo, a diferença entre as classes, acabaram encontrando nas leis uma forma – pelo menos abstrata – de acabar com as desigualdades para poderem assim viver em paz.

Marilena Chauí afirma que esse processo de sucateamento iniciou-se a partir do momento em que a educação, que antes era considerada um direito (assim como a saúde e o lazer) passa a ser entendida como um serviço. A partir desse momento, em virtude dessa Reforma do Estado proposto durante o governo Fernando Henrique de acordo com moldes considerados neoliberais, o governo passou a entender que deveria relegar a administração da educação brasileira ao Setor Público. E a partir desse momento também, portanto, o estado se absteve de assegurar as garantias sociais, historicamente conquistadas transformando a educação em nada menos do que uma mercadoria.

O problema é que a lógica do capital é excludente, ou seja, enquanto o Estado tem por obrigação garantir o bem estar de todos o capital não, mesmo por que ele não reconhece ninguém sob sua tutela. A única coisa com a qual o capital se preocupa é em se reproduzir. E para isso ele precisa auferir lucro, o que implica em explorar alguma coisa ou alguém. Para obter lucro, nada deve ser oferecido de graça. Não que o estado deva oferecer coisas de graça, mas os recursos auferidos pelo estado são dados por todos os cidadãos em nome de um bem comum e da paz social Além do que esta é uma das obrigações que lhe cabem enquanto uma instância de poder que, em tese, emana do povo. Dessa forma, ele também deveria submeter a economia aos interesses dos cidadãos, o bem estar comum e a paz social – justamente pelo fato de representá-los – e não o contrário, como tem sido feito.

Por causa disso, em virtude das políticas adotadas de acordo com um modelo de crescimento econômico, o Estado Brasileiro se sentiu na necessidade de relegar a Universidade Brasileira ao Setor Público. E de acordo com isso, ele precisava encolher cada vez mais o espaço público, ou o espaço dos direitos, para poder assim aumentar o espaço privado. Portanto, ele precisava de uma reforma nas suas várias instituições. Por causa disso, também, que o governo propõe hoje essa Reforma Universitária. Pode-se notar claramente os moldes dessa política nessa proposta, ou seja, a confusão entre a esfera pública e a privada, o financiamento majoritário do estado, assim como a lógica excludente e subordinada do público diante do privado.

O próprio concurso vestibular é fruto desse tipo de política. O ensino superior deveria ser um direito de todos mas, como o estado não tem capacidade para garantir o ensino superior a todos, ele cria uma seleção para o ingresso na universidade. Acontece que apesar dessa seleção se vestir de meritocrática ela nada mais é do que uma reprodução das desigualdades sociais. Pois a partir do momento em que o estado não reconhece as diferenças fundamentais entre os indivíduos, surgido a partir das diferenças materiais, ele acaba servindo como reprodutor dessas diferenças.

Cursar uma universidade envolve várias questões. Uma delas seria o acesso, outra seria a permanência, outra seria a formação do indivíduo e outra seria a relação entre a Universidade e a Sociedade. Em relação ao ingresso, deveríamos nos preocupar com situações nas quais os indivíduos pudessem concorrer com igualdade de condições, e é justamente nesse sentido que reconheço a política de ações afirmativas. Realmente, reconheço também, que é enviesada a situação de querer comparar meritoriamente indivíduos que já no início concorrem em desigualdade de condições.

Em relação à permanência na Universidade devemos reconhecer que por mais que a universidade seja pública, o curso não é gratuito. Em diferentes situações devemos reconhecer que eventualmente o “cursar uma faculdade” envolve custos que, devido á situação de “coisa pública” dificilmente pode ser garantido pelo estado. Isso pressupõe uma política racional de assistência estudantil, não apenas para indivíduos os casos mais críticos, mas para a universidade como um todo, mesmo por quê, essa nada mais seria do que uma conseqüência da garantia da educação como direito.

Em relação à formação do indivíduo, e em se tratando da sua relação com a sociedade, não devemos cair no engano de subordinar a formação de qualquer profissional única e exclusivamente à lógica do mercado. Deveríamos reconhecer que, como um todo, toda a produção científica se insere em um quadro político-social, e tem conseqüências – por causa disso devem ter em mente – questões éticas e morais.




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