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Carta de Alan Moore sobre as eleições de 30 de Outubro

Caro Brasil,

As chances restantes para salvar o planeta e as suas populações estão se esgotando rápido. Nosso mundo está mudando, mais rápido do que em qualquer era, e nos forçando a nos adaptar mais rápido se quisermos sobreviver. De caçadores-coletores à agricultura, da agricultura à indústria, da indústria para o que quer que estejamos nos tornando agora – essa nova condição para a qual ainda não temos nome – a humanidade já viu esses tipos de transições monumentais no passado, apesar de pouco frequentes. Essas transições não são causadas por forças políticas mas pelas ondas irresistíveis da história e da tecnologia, que é uma onda a qual podemos aproveitar ou sermos arrastados por ela. A terra está se transformando, por necessidade, em um novo planeta, e nós podemos nos transformar juntos com ela ou perder para sempre a biosfera que nos sustenta. A maioria das pessoas, acredito, sabe isso em seus corações e o sente em seus estômagos. Mesmo assim, nos últimos cinco anos mais ou menos, temos visto ao redor do globo um ressurgimento feroz das mesmas ideias políticas e econômicas que nos levaram a essa situação. A agressão explícita desse avanço da extrema direita me parece tão forçado, e também tão distante da realidade, que só pode ser filha do desespero; o medo histórico sentido por aqueles que mais se beneficiam das estruturas de poder do velho mundo, que sabem que o novo mundo pode, no fim, não ter espaço para eles. Com medo por sua própria existência, pela existência do mundo que tanto os beneficiou, na última década eles povoaram o palco político com personagens cada vez mais estridentes e caricatos, para os quais nenhuma atitude é por demais corrupta ou desumana, e nenhuma linha de raciocínio absurda demais.

Despudoradamente monstruosos, eles têm perseguido minorias raciais e religiosas, ou seus povos originários, ou os pobres, ou mulheres, ou pessoas de diferentes sexualidades, ou todas as anteriores. Durante a pandemia colocaram suas decisões políticas e doutrinas financeiras antes da segurança das suas populações, causando centenas de milhares de mortes desnecessárias; centenas de milhares de famílias e comunidades devastadas. Com os seus países pegando fogo, ou sofrendo com inundações, ou sendo assolados pela seca, insistiram que as mudanças climáticas eram um boato esquerdista para atrapalhar a indústria e tacharam os movimentos sociais e ambientalistas como terroristas. Adotando o estilo fanfarronesco de Sílvio Berlusconi, nós vimos a atuação perigosamente reacionária de Donald Trump na América do Norte, e as ruinosas indignidades de Boris Johnson e seus suplentes no atual Reino Unido. E, é claro, o Brasil teve Jair Bolsonaro.

Apesar de nós do Norte Global obviamente termos contribuído com a nossa cota mais do que justa de figuras políticas horríveis para a situação do mundo, eu não conheço ninguém com um pingo de consciência e compaixão que não esteja chocado pelo que Bolsonaro, surfando na onda trumpista, fez com o seu belo e enorme país, além do que ele continua a fazer para o nosso relativamente pequeno e ainda belo planeta. Nós assistimos desesperadamente enquanto, seguindo a mesma cartilha do seu ídolo norte-americano, Bolsonaro tem fechado o cerco contra os povos originários, os homossexuais e os direitos das mulheres a um aborto seguro, alimentando uma fogueira descontrolada de ódio como distração para as suas agendas econômicas e sociais, enquanto simultaneamente inundava o país com armas. Nós o vimos tentando enfrentar a pandemia de forma arrogante alardeando suas idiotices anti-vacina, e vimos a crescente preparação apressada de canteiros de cemitérios; aquelas fileiras de covas cavadas no solo com flores e cruzes pintadas marcando aqui e ali.

Nós também olhamos enquanto ele respondia para a expectativa de novas leis ambientais simplesmente acelerando a destruição suicida da Floresta Amazônica, asfixiando a nossa atmosfera comum com uma floresta em chamas, deslocando ou matando pessoas que viviam nessas regiões por gerações, e visivelmente sendo cúmplice ou fazendo vista grossa para o assassinato de jornalistas que investigavam essa limpeza étnica brutal. Uma revista científica respeitada que assino, a New Scientist, recentemente descreveu as eleições brasileiras iminentes como um ponto sem volta potencialmente crucial para a batalha de vida e morte da nossa espécie contra a catástrofe climática que nós mesmos criamos. Colocando de forma simples, ou Jair Bolsonaro continua, lucrativamente, agradando os interesses das corporações que o sustentam, ou nossos netos terão comida e ar puro. É um ou outro.

Como anarquista, existem poucos líderes políticos que eu poderia tolerar completamente, menos ainda apoiar, mas de tudo que eu tenho ouvido ou lido a seu respeito, Luiz da Silva, Lula, me parece ser um desses raros indivíduos. Suas políticas parecem ser justas, humanas e práticas, e, se entendi, ele prometeu reverter muitas das decisões mais desastrosas de Bolsonaro. Reparar o estrago feito nestes últimos cinco anos certamente não será fácil ou barato, e da Silva herdará um cenário político bastante deteriorado. Pelo menos, entretanto, daqui parece que ele pelo menos reconhece que a humanidade está passando por uma transformação sísmica, e percebe que precisamos mudar o nosso modo de vida, se quisermos viver. Ele aparenta ser um político preocupado com o futuro, com o seu trabalho árduo e possibilidades justas e maravilhosas, ao invés dos açoites destrutivos e agonizantes de um passado insustentável.

As vindouras eleições Brasileiras estão, me contaram, pendendo sob o fio da navalha e, como exposto acima, o mundo todo está pendendo com elas. Se você um dia já apreciou algum dos meus trabalhos, ou já sentiu simpatia por alguns de suas inclinações humanitárias, então por favor saia de casa e vote por um futuro próprio para seres humanos, para um mundo que seja mais do que a latrina dourada de suas corporações e suas marionetes. Vamos pôr as iniquidades dos últimos cinco, ou talvez quinhentos, anos atrás de nós.

Com amor e confiança,
Seu amigo,
Alan Moore.


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